sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Questão Social Contemporânea - Um caso na Psicanálise “O caso Bruno”

15/10/2010


Por Sueli Avellar do Nascimento*


 
Safatle (2010) apresenta conceitos fundamentais da psicanálise freudiana, objetivando apresentar a partir de tais conceitos, uma plataforma de reflexão referente a questões do sujeito sobre a modernidade: capitalismo, liberalismo econômico e individualismo. Tais questões perpassam pelos universos da sociologia e da política. Ainda se remete ao longo do mesmo, às idéias de Freud sobre sexualidade humana e sobre desenvolvimento individual serão apresentadas juntamente com as de doença mental e sexualidade.
O caso escolhido para aplicação dos conceitos freudianos trabalhados no livro de Safatle (2010) foi extremamente divulgado pela mídia nacional. Aproximadamente há quatro meses, os brasileiros presenciaram uma grande quantidade de informações sobre o desaparecimento de uma modelo, após seu envolvimento com um conhecido jogador de futebol, o goleiro Bruno, do Clube de Regatas Flamengo. A partir daí, os fatos foram intitulados “O Caso Bruno”.
No início de 2009, Bruno, casado, conhece Eliza no Rio de Janeiro. Os dois começam um relacionamento extraconjugal. Logo após Eliza engravida. A mesma registra queixa contra Bruno, na DEAM - Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Jacarepaguá, no Rio de janeiro, por tentativa de sequestro, agressão e ameaça. Bruno nega ter cometido qualquer desses delitos. Após o episódio, a polícia pediu medidas protetoras que impediam o goleiro de se aproximar mais de 300 metros de Eliza e de sua família. Bruno passou a ser investigado criminalmente.
Com o nascimento do filho de Eliza. Bruno não reconhece a paternidade. Segundo o advogado Jader Marques, advogado do pai de Eliza, ela move um processo na Justiça para Bruno reconhecer a paternidade do filho e pagamento da pensão. O último contato feito pela família segundo o advogado Jader Marques. Amigas de Eliza contam que ela iria até Minas Gerais para conversar com Bruno, a pedido dele. A partir daí, ela não entra em contato com ninguém. Posteriormente Eliza é supostamente assassinada por Marcos Aparecido dos Santos, o "Bola”. Pelo 181 (Disque-denúncia), a polícia recebe denúncias que Eliza teria sido agredida, morta, suas roupas teriam sidas queimadas e o corpo ocultado em um sítio do atleta Bruno em Esmeraldas, Minas Gerais. Desde então o sítio é vigiado.
Policiais militares e bombeiros tentaram entrar no sítio, mas não conseguem, por não terem um mandado judicial. De posse do mesmo a policia faz buscas no sítio do goleiro em busca do corpo de Eliza. Foram encontradas roupas de mulher, objetos de criança além de fraldas. Segundo a polícia vestígios de sangue de Eliza foram encontrados no veículo. A polícia recebe uma denuncia, dizendo que o corpo da vitima foi jogado em uma lagoa em Ribeirão das Neves, Minas Gerais.
Um menor de 17 anos, que foi apreendido no apartamento do Bruno, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, depõe na Delegacia de Homicídios da Barra da Tijuca. Ele afirma que participou do seqüestro da ex-amante do jogador, e deu coronhadas na vitima. Nas quatro páginas de inquérito em que relatam um crime atroz, Eliza teve os braços amarrados com uma corda e foi estrangulada por Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como bola, um ex-policial. Ainda segundo o menor ouvido pela polícia, após ter estrangulado Eliza, Bola pediu para que todos deixassem o local. Depois, seguiu em direção a um canil, carregando um saco que supostamente continha o cadáver esquartejado de Eliza. Ainda segundo o adolescente, a mão de Eliza foi jogada para cachorros da raça Rottweiler.
A prisão preventiva de Bruno e de mais sete pessoas foram expedidas pela Justiça de Minas. O mandado de internação do jovem que prestou depoimento no dia 06 de julho. A Justiça de Rio de Janeiro também havia expedido a prisão preventiva para Bruno e Luiz Henrique Romão, conhecido como Macarrão pelo sequestro e cárcere privado de Eliza Silva Samúdio, em outubro de 2009. Bruno e Macarrão se entregam à polícia no Rio de Janeiro. Mãe de Eliza consegue a guarda provisória na Justiça do neto de quatro meses. A criança estava na casa do avô materno em Foz do Iguaçu. Bruno e os outros suspeitos no desaparecimento de Eliza Samúdio são mantidos presos na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os presos estão em celas isoladas, de 6m² e sem comunicação entre elas. O inquérito é entregue. Bruno, Macarrão, Bola e mais seis pessoas são indiciadas.
A partir do patológico Safatle (2010) antes de introduzir as idéias de Freud como objeto de reflexão da modernidade, inicia explicando que o pai da psicanálise parte do patológico como via de acesso ou entendimento daquilo que é considerado socialmente normal. Partir do patológico para legitimar a normalidade, é descobrir o reverso do adoecer. Nesse processo, Freud identifica que a neurose é normal porque é fruto ou resultado do conflito entre os desejos individuais do sujeito e os ideais da cultura (Safatle, 2010).
Tal conflito produz sofrimento. Logo, é normal todos terem algum grau ou nível de dor psíquica. Mas é na neurose obsessiva que esse processo ganha cores doentias produzindo sintomas, inibição e angústia. Assim, a diferença entre o normal e o patológico, é qualitativa, já que de muitas formas o percurso da normalidade é muito próximo ao da doença.
Freud descobre que de alguma forma, as pessoas estão presas ao seu passado. Assim as respostas tanto para a neurose obsessiva quanto para as dificuldades sexuais estão na infância. A doença mental, para ele, pertence a uma teoria da regressão (Safatle, 2010), já que o processo de maturação ficou preso, bloqueado ou impedido nos primeiros anos da existência.
Em sentido oposto à maturação, a doença mental percorre o caminho inverso do desenvolvimento, levando o individuo à condutas mais restritas e limitadas. Freud utiliza-se do conceito de filogenia para conceber o homem como fruto de um desenvolvimento progressivo rumo à maturidade, uma espécie de evolucionismo.
O criador da psicanálise concebe a vida social a partir do desenvolvimento de três grandes visões de mundo: a animista, a religiosa e a científica. Todas as três caminham para uma maturação subjetiva do sujeito rumo ao narcisismo primário, posteriormente à internalização da Lei moral e da constituição do supereu e finalmente ao ensaio das expectativas emancipatórias.
Podemos conceituar sinteticamente animismo como uma visão de mundo e de explicação da origem das coisas a partir do pensamento de que tudo é animado por uma infinidade de seres espirituais.
Para Freud, essa forma mágica de ver a vida e o mundo, o animismo, é possível através da onipotência do pensamento, submetido à busca de explicar as coisas através de si mesmo e também sob o regime da procura do prazer.
O filósofo Auguste Comte fala que inicialmente o homem conhece a si mesmo e explica as coisas a partir de si. Depois ele transporta essa condição para explicação do mundo exterior, chegando a uma maturidade filosófica.
Para Freud, tal transposição do pensamento do homem, que a partir de si mesmo explica todas as coisas, é chamada de narcisismo. Ou seja, a experiência é nomeada e vivenciada a partir de si mesmo.
Na segunda visão de mundo de Freud, surgirá a religião e ele descreverá a instância psíquica da consciência moral (o supereu) como resultado de um desamparo que a criança sofre ao sentir que o ela e o mundo não são a mesma coisa. Para ele, tal desamparo levará à busca de algo que supra esse vazio.
No modelo animista, o homem fazia parte da natureza. Freud fala de uma separação do homem e da natureza através da possibilidade da morte, da diferença sexual e da contigência absoluta do objeto do desejo. Todas três contribuem para um desencantamento do mundo.
Na busca de ser aceito e amado socialmente, haverá a internalização das normas sociais a partir do pai, representante da Lei. Para agir “socialmente” é preciso abrir mão das próprias pulsões: “Toda cultura deve ser necessariamente edificada sobre a repressão e a renúncia pulsional” (Freud).
Para Freud, Deus nada mais é do que um pai elevado. O deus de cada um é formado a partir das experiências com o pai. E ele diz ainda que as massas necessitam de uma autoridade que se possa admirar. Ou seja, o desamparo é central para a constituição do sujeito social e das instituições sociais.
Após o desencantamento do mundo, Freud entende que o homem está pronto para fazer ciência, no sentido de reconhecer a própria pequenez e não se abrigar mais no discurso religioso. Apesar disso, ele reconhece que a modernidade está bloqueada porque a formação do imaginário pessoal da família burguesa está fundamentada na culpabilidade, nas figuras de autoridades, na providência, na soberania e em situações geradas essencialmente dentro de uma visão religiosa de mundo.
O mito está a serviço de apresentar soluções de conflitos sociais (Safatle, 2010). Freud, objetiva dar uma estrutura para as sociedades modernas organizadas, a partir da internalização dos sujeitos de figuras de autoridades ou instituições “poderosas”.
Tal internalização do sujeito só foi possível devido ao que Freud escreveu referente ao mito do pai primevo, já que “vivíamos anteriormente em pequenas hordas”. E nesse mito, os filhos se reúnem e assassinam o pai. Após fazerem-no, um sentimento de tristeza os abate porque o pai primevo não era apenas a figura de coerção, mas também objeto de amor e identificação.
Assim, “em relações sociais atuais, os sujeitos agem como quem carrega o peso do assassinato de um pai que nada mais é do que a encarnação imaginária de representações fantasmáticas de autoridade e soberania”. A figura do pai é perpetuada através de representações sociais sublimadas.
Freud diz que o homem evoluiu em alguns aspectos, mas o seu lado “horda primitiva” continua vivo dentro dele e pode surgir a qualquer momento onde tenha um grupo de pessoas. Em termos de massa, a regressão social acontece no casos de guerras, revoluções, etc.
Ele vai utilizar de duas instituições sociais, a igreja e o exército, para explicar sobre como a massa age. Em ambas as instituições, os indivíduos internalizam um supereu identificando-se com a figura de líder, ocorrendo uma fundação fantasmática onde as pessoas obedecerão às regras não devido a elas em si, “mas por fantasias que determinam a significação e os modos de aplicação de injunções que tem força de lei”.
Safatle (2010), fala sobre a questão do totalitarismo, traçando um paralelo entre o ditador e o pai primevo, mostrando pontos comuns, tendo a lei e a ordem como foco. O facista consegue ser uma exceção quanto à regra, de alguma forma não sendo regido completamente por ela, mas por outro lado, ele promove-a.
Para explicar “O Caso Bruno” a partir de lentes freudianas (de acordo com o livro de Safatle, 2010), vemos que ocorreu uma regressão a uma etapa onde a criança exige a satisfação de suas pulsões egoístas agressivas. Onde se tem o retorno a uma fase do desenvolvimento onde não há o controle da agressividade. Ocorre uma visão infantil e patológica do outro (Eliza Samudio) como simples objeto que pode ser manuseado e manipulado de acordo com os desejos de seu possuidor. Observa-se também a tentativa simbólica de assassinar a “ordem e a autoridade”, uma espécie de volta ao mito do pai primevo que representava a coerção, a ordem e o poder. Está claro uma relação direta entre dinheiro / fama com poder e satisfação sexual. Frisa-se também “Mini” regressão social, agindo como horda primitiva.
É perfeitamente possível fazer uma crítica social do presente a partir dos textos de Freud. A psicanálise apresenta então, uma forma antecipada de reações sociais de massa antes mesmo delas acontecerem. A partir de uma leitura psicanalítica do indivíduo, em alguns aspectos, é possível aplicar esse conhecimento para as massas. Logo, é preciso concordar que a modernidade está bloqueada em termos “comportamentais” de acordo com aquilo que o criador da psicanálise propôs.

Bibliografia

SAFATLE, Vladimir; Freud como teórico da modernidade bloqueada, Vitória: UFES, 2010.

Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Eliza_Samudio . Acesso em: 12 outubro 2010.

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